Em matéria de direito sucessório, a nossa legislação brasileira prevê a possibilidade de adotarmos duas formas de procedimento: o inventário judicial e extrajudicial, cada qual reservando as suas regras e exceções. O procedimento judicial, com trâmite na esfera judicial, cujo próprio nome já revela sua natureza, e comumente conhecido por sua morosidade, tornando-se obrigatório quando há testamento ou interessado incapaz, sendo que a partilha, neste caso, procederá por via judicial, consoante redação prevista no artigo 610, caput, do Código de Processo Civil.
Ao passo que o inventário extrajudicial ganhou evidência por se tratar de um procedimento mais célere e menos custoso, e que tramita no Cartório de Notas, ou seja, na esfera extrajudicial, tornando-se possível quando não há testamento, todos os herdeiros são maiores de 18 anos, capazes ou emancipados, e os herdeiros estão de acordo com a divisão dos bens, devendo ser feito por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras, conforme assegurado no artigo 610, §1º do Código de Processo Civil, com regulação, à nível nacional, pela Resolução nº. 35 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sendo uma das principais normas que regulamentam os atos extrajudiciais no Brasil.
Deste modo, são atraentes os efeitos extraídos de um inventário extrajudicial que reflete características próprias e teoricamente mais benéficas dentro dos limites que reserva a natureza do seu procedimento, tal como a sua agilidade e baixo custo, a depender, é claro, dos atos e procedimentos praticados em esfera extrajudicial, uma vez que seus efeitos serão validados em escritura pública e não mais por uma decisão proferida pelo juiz, - que neste caso, tende-se a prolongar-se em detrimento dos limites estabelecidos pelo procedimento judicial.
Recentemente, em 20 de agosto de 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a alteração na Resolução 35/2007, que regulamenta a atuação dos notários e registradores no Brasil. A decisão teve origem no julgamento do Pedido de Providências n° 0001596-43.2023.2.00.0000, movido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), relatado pelo Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão, tomada de forma unânime pelo plenário durante a 3ª Sessão Extraordinária de 2024.
Neste sentido, tem-se que as mencionadas alterações partem da iniciativa oriunda da resolução nº 571/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trouxe à baila novas regras para o processo de desjudicialização de inventários e partilhas de bens no Brasil.
A rigor, a alteração promovida na Resolução 35/2007 do CNJ passa a surtir reflexos nos atos extrajudiciais, afetando tanto a forma como esses serviços são realizados, quanto o impacto que eles têm na sociedade, disciplinando que a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário, partilha, separação consensual, divórcio consensual e extinção consensual de união estável poderão ser requeridos via administrativa, mesmo havendo testamento, herdeiros menores de idade ou incapazes, o que, até então, era permitido apenas pela via judicial. Entre estas mudanças, ganham notoriedade:
- A autorização para inventários, partilhas, divórcios e separações extrajudiciais, mesmo havendo menores ou incapazes;
- A exigência de consenso entre os herdeiros para o registro do inventário em cartório;
- A garantia da parte ideal de cada bem a que tiver direito os menores de idade ou incapazes. No entanto, neste ponto a resolução não confere total liberdade na administração dos bens do espólio, limitando a eficácia da escritura pública do inventário com interessado menor ou incapaz a depender da manifestação favorável do Ministério Público;
- A previsão de que o pagamento das despesas do inventário deve ser realizado em até um ano após a venda dos ativos.
A seguir, disponho de um comparativo sinalizando os reflexos acerca das principais mudanças para uma melhor visualização do que ocorrerá na prática:
Inventário e partilha
Há a possibilidade de realização de inventário extrajudicial mesmo que o autor da herança tenha deixado testamento, desde que:
(I) - os interessados estejam todos representados por advogado devidamente habilitado;
(II) - haja expressa autorização do juízo sucessório competente em ação de abertura e cumprimento de testamento válido e eficaz, em sentença transitada em julgado;
(III) – todos os interessados sejam capazes e concordes;
(IV) – no caso de haver interessados menores ou incapazes, sejam também observadas as exigências do art. 12-A da Resolução Nº 571 de 26/08/2024, a saber:
Art. 12-A - O inventário poderá ser realizado por escritura pública, ainda que inclua interessado menor ou incapaz, desde que o pagamento do seu quinhão hereditário ou de sua meação ocorra em parte ideal em cada um dos bens inventariados e haja manifestação favorável do Ministério Público;
(V) – nos casos de testamento invalidado, revogado, rompido ou caduco, a invalidade ou ineficácia tenha sido reconhecida por sentença judicial transitada em julgado na ação de abertura e cumprimento de testamento;
§1° - Formulado o pedido de escritura pública de inventário e partilha nas hipóteses deste artigo, deve ser apresentada, junto com o pedido, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada e o inventário deverá ser feito obrigatoriamente pela via judicial.
Divórcio consensual
A nova resolução traz a possibilidade de realização de divórcio consensual pela via extrajudicial, mesmo havendo filhos menores de idade ou incapazes. As discussões relativas à guarda, alimentos e convivência familiar deverão ser direcionadas ao Poder Judiciário.
Dispensa de autorização judicial para a alienação de bens do de cujus
Para tanto, o inventariante deverá ser autorizado, através de escritura pública, a alienar móveis e imóveis de propriedade do espólio, independentemente de autorização judicial. Além disso, deverão ser observados os requisitos enumerados na resolução.
Separação de fato consensual
Além das sugestões recebidas no Pedido de Providências que visou a alteração da Resolução CNJ n° 35/2007, o Corregedor Nacional de Justiça sugeriu mudanças quanto à separação extrajudicial e a possibilidade de incluir a separação de fato consensual.
O restabelecimento da comunhão plena de vida entre o casal que efetivou a separou de fato
Aqui temos uma curiosidade advinda da alteração provocada pela resolução: O restabelecimento da comunhão plena de vida entre o casal que optou anteriormente pela separação de fato consensual, mas decidiram por motivos próprios, restabelecer a relação. Neste caso, o procedimento pode ser feito por escritura pública, ainda que a separação de fato tenha sido judicial.
No entanto, o retorno da comunhão plena de vida entre o casal não altera os termos da sociedade conjugal, que se reestabelece sem modificações.
Destaque para reflexão: penso que a redação deste artigo possibilita o debate acerca dos efeitos patrimoniais no caso dos cônjuges terem optado pelo regime comunhão universal de bens. Afinal, no que tange aos bens adquiridos por cada cônjuge no intervalo de tempo em que estiveram separados de fato consensualmente até o retorno da comunhão plena, para fins de partilha, estes bens adquiridos podem ser considerados particulares ou não? Serão comunicados na partilha, a depender do regime de casamento adotado pelo casal?
Aumento da Agilidade nos Procedimentos
A alteração da resolução pode viabilizar a realização de mais atos no âmbito extrajudicial, como inventários e divórcios consensuais, promovendo maior celeridade, menor onerosidade e economia nos procedimentos, além de reduzir a carga de trabalho do Judiciário.
Padronização e Segurança Jurídica
A padronização dos procedimentos adotados pelos cartórios minimiza as divergências na interpretação das normas, garantindo maior previsibilidade e segurança jurídica para os profissionais quanto para os cidadãos.
Incorporação de Tecnologias
As mudanças podem impulsionar o uso de plataformas digitais, aumentando a conveniência e a eficiência dos serviços prestados, além de facilitar o acesso remoto por parte dos usuários.
Capacitação dos Profissionais
Com as novas diretrizes, notários e registradores precisarão se manter atualizados e treinados para aplicar corretamente as mudanças, o que pode gerar uma demanda maior por cursos de capacitação e treinamento contínuo.
Impacto Econômico e Social
Com procedimentos mais simples e ágeis, a alteração pode levar a uma redução nos custos associados aos processos extrajudiciais, beneficiando a população e contribuindo para um sistema mais acessível e eficiente.
O apontamento desses reflexos demonstram que a atualização da resolução pode resinificar e transformar os atos extrajudiciais, tornando-os mais modernos e adaptando-se às necessidades contemporâneas, afinal, a tendência do Direito é acompanhar as nuances evolutivas sociais.
Levando em consideração que o acompanhamento por profissionais capacitados, como advogados e tabeliães, é fundamental para garantir a correta aplicação da lei e a proteção dos direitos de todos os herdeiros.
[1] Art. 12-A e incisos, e art. 12-B incisos e parágrafos, todos incluídos pela Resolução n. 571, de 26.8.2024: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5705.
[2] Arts. 33 a 46–A, todos incluídos pela Resolução n. 571, de 26.8.2024: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5705.
[3] Art. 11-A, incisos e parágrafos, todos incluídos pela Resolução n. 571, de 26.8.2024: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5705.
[4] Arts. 52-A e 52-B, todos incluídos pela Resolução n. 571, de 26.8.2024: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5705.
[5] Arts. 52-C a 52-E, todos incluídos pela Resolução n. 571, de 26.8.2024: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5705.